Mariana Hanssen
3 min readNov 12, 2022

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Des-caminhos das Índias — New Delhi

Uma cidade sem calçadas: a vida se faz nas ruas, na base da buzina e da coragem. Mas escutei de uma pessoa daqui: parece bagunça pra quem vem de fora, mas é tanta atenção no outro (e não no farol ou nas placas), que não tem acidente. É verdade.

Bairro de Paharganj na foto, do alto do Krishna Café.

O café da manhã já começa bem temperado: ainda bem que eles trazem iogurte para os estrangeiros. Eu não aguentaria. Mas nenhum segredo aqui: a comida é maravilhosamente vegetariana. Viva India!

No meio dessa intensidão de cidade, dois momentos me marcaram especialmente hoje.

De manhã, chegamos na praça de Conaught. Tudo fechado - era fácil de perceber nossa presença.
Um homem bem vestido e de cabelo arrumadinho se aproxima e mostra curiosidade: de onde vocês vêm? Quando chegaram? Pra onde vão? Sabem falar hindu? A gente responde. Fala de cinema, de Bollywood. De várias coisas.

No meio desses pensamentos, ele encaixa: vão por ali, aqui nessa praça não tem nada hoje. No Tourist Office vocês conseguem mais informações.

Não parecia convincente. Retomamos nosso caminho.
Alguns passos mais tarde, um outro homem com quase as mesmas perguntas - mas que ousa pequenas sugestões: “no Tourist Office, vocês podem pegar um mapa, um sim card. É por ali! Estou com tempo, posso acompanhá-los, "you know, inner hospitality!". E ele mostra no seu telefone a localização.

É muito complicada essa relação, de não se passar pela “Pessoa branca" que não conversa com ninguém, que desconfia de tudo. É uma posição de relação de poder e a gente não se sentia confortável.
Um farol e uns sorrisos mais tarde, as indicações finais: “passem nesse túnel, e depois virem à direita, vocês logo vao ver o Tourist office, eu tenho hora marcada com a minha namorada e tenho que deixá-los".
Passamos o tunel quase sentindo a respiração de um terceiro homem que nos segue de perto, e que anuncia em tom tranquilo "se vocês estão procurando o Tourist Office, é logo ali".
Chegamos em frente, e não precisamos de dois segundos para entender que esses homens todos eram bons atores.
O famoso Tourist office era só mais uma agência privada de viagens — que pagava pequenos passarinhos bem convincentes no canto. Nada como se sentir enganada no primeiro dia. E olha que a gente leu sobre esse tipo de história, mas cada um mostrando no telefone o mapa, parecia tão real... Saímos da agência rindo e entendemos que as vezes a gente faz todo esforço do mundo pra tentar não ser só mais um turista... Mas quem somos nós senão?

A outra cena marcante foi um pouco antes do almoço. Vamos no "Krishna café?" "Vamos" (fica aqui uma boa dica de café em New Delhi, serve-se de tudo, e tem vista pra essa capital barulhenta - é engraçado ver o caos de cima — e é a foto ali de cima).

Paramos para conferir o mapa, no canto da rua, agachados. Uma mulher e suas três filhas nos abordam para pedir dinheiro. A regra na India é clara, não dar dinheiro pra ninguém: isso pode abrir portas para mais 20 pessoas que vão te seguir para te pedir logo em seguida - fizemos a promessa de encontrar uma associação durante nossa viagem e doar de outras formas. Na rua, as pessoas te olham profundamente nos olhos e estendem as mãos.

A mulher ficou parada e não se movia. Nos conferíamos o mapa, agachados. Ela insiste, de pé. Chama uma, duas, três crianças. Os quatro de pé com as mãos estendidas em torno de nós dois, agachados. Eu imaginei um milhão de metáforas pra tentar explicar essa imagem, mas deixo ela aqui pra quem quiser se aventurar.

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